quarta-feira, 19 de agosto de 2009

A Química do Chocolate



Ele pode ser calórico e provocar espinhas, mas encontrar alguém que diga não a um chocolate sem demonstrar tristeza é coisa rara. Estudos mostram que a sensação de bem-estar que ele causa está ligada ao estímulo da produção de substâncias químicas do corpo humano como a serotonina. Mas o papel da Química no fascínio de tanta gente por essa iguaria começa bem antes da embalagem ser aberta.

Existem numerosos fatores que influenciam a qualidade e o sabor do chocolate, tais como: a escolha da variedade genética do cacau, o clima e as condições do solo onde é cultivado, bem como as técnicas de fabricação empregadas. O desenvolvimento do sabor do chocolate começa já na etapa de fermentação dos grãos, processo este ainda rudimentar, mas importantíssimo na produção de aminoácidos, monosacarídeos, peptídeos, flavonóides, metilxantinas, entre outros, substâncias estas que serão os precursores do sabor e aroma do chocolate.

O aroma total do chocolate é formado na etapa de torrefação, na qual os grãos, fermentados e secos, são cuidadosamente aquecidos a temperaturas que variam de 110° C a 140°C. Foram identificadas 500 substâncias responsáveis pelo sabor do chocolate. Entre elas, podemos citar os compostos carbonílicos como os álcoois, aldeídos, cetonas, e os heterocíclicos. Estas substâncias são produtos de um fenômeno químico conhecido como Reação de Maillard.

Após moagem dos grãos já torrados, obtém-se o “liquor de cacau” ou pasta de cacau que será combinado com açúcar, leite em pó (no caso de chocolate ao leite), manteiga de cacau, emulsificante e opcionalmente um aromatizante. Esta mistura segue para a etapa chamada conchagem na qual a massa será aquecida sob agitação por várias horas, objetivando a obtenção de uma pasta fluida e a eliminação de substâncias voláteis que poderiam interferir no sabor final do chocolate. A função do emulsificante, normalmente lecitina de soja, é a de reduzir a tensão superficial entre a manteiga de cacau, a gordura do leite e os outros componentes presentes, bem como diminuir a viscosidade da mistura.

Usa-se combinar liquor de cacau de procedências diferentes, obtendo-se desta forma um produto com características de aroma e sabor diferenciados.

Outro procedimento importante na produção do chocolate é a “temperagem”, que consiste no resfriamento controlado da massa após a conchagem, objetivando a solidificação do chocolate pela cristalização da manteiga de cacau presente na sua forma mais estável. A manteiga de cacau pode cristalizar em várias formas polimórficas. Algumas delas são instáveis e, com o passar do tempo, poderão se recristalizar na forma mais estável. Isto resultará na perda de brilho e na formação de cristais acinzentados na superfície do chocolate, defeito conhecido como fat-bloom. Este problema também ocorre quando, no armazenamento, a temperatura do chocolate sofre variações.

Também no armazenamento, as mudanças bruscas de temperatura, das áreas frias para as áreas quentes, fazem com que haja condensação de umidade na superfície do chocolate. As moléculas de água formadas durante a condensação dissolvem o açúcar do chocolate formando um xarope e, posteriormente, quando são novamente evaporadas pelo aquecimento (aumento da temperatura ambiente), deixam o açúcar depositado na superfície na forma de cristais grossos e irregulares, que conferem ao produto um aspecto desagradável. Este defeito, conhecido como sugar-bloom, é facilmente identificado, pois se caracteriza pela apresentação de uma camada de cor acinzentada, rugosa e irregular na superfície do chocolate. Portanto, para garantir sua qualidade, padronização e a conservação de suas características, o produto precisa ser armazenado sob rigoroso controle de temperatura, entre 18ºC e 25ºC, e umidade relativa do ar de no máximo 70%.

A obtenção de diferentes tipos de chocolate depende principalmente da proporção dos ingredientes e das variações do processo. As diferenças básicas entre o chocolate ao leite e o amargo estão na formulação: o primeiro tem leite e o segundo não. Além disso, o amargo possui uma concentração maior de pasta de cacau e menor de açúcar. Mas a cor e o sabor resultam também da Reação de Maillard, que é acelerada a altas temperaturas. Como já citamos anteriormente, ela ocorre antes mesmo da fabricação do chocolate, no processo de obtenção da sua principal matéria-prima: a pasta de cacau. Graças a esse fenômeno químico, a pasta de cacau tem uma coloração marrom escura, quase preta e, por isso, não é empregada na formulação do chocolate branco. Neste caso, é usada apenas a manteiga de cacau. Na conchagem do chocolate branco, a temperatura precisa ser mais baixa que a dos chocolates escuros para que a Reação de Maillard não ocorra e escureça o produto.

Como em vários outros tipos de indústria, na de chocolates a Química também é fundamental para o controle da qualidade. Tanto as matérias-primas como o produto final passam por testes químicos que avaliam, por exemplo: teor de gordura, umidade, atividade de água, proteína e iodo. Sem elas, as indústrias teriam problemas na padronização e identificação de insumos e produtos finais. Com essas análises feitas internamente em um laboratório químico, o tempo de resposta aos problemas de produção e insumos é bem menor, favorecendo assim a agilidade das decisões e possíveis ações corretivas a serem tomadas. Algumas não conformidades que podem ser evitadas são: irregularidade no ponto de quebra, falta de consistência, perda de sabor e brilho, crescimento microbiano, redução da vida de prateleira do chocolate, entre outros.

Até na higienização da fábrica e de seus equipamentos, o conhecimento químico é necessário. Ela é dividida em duas etapas: limpeza e desinfecção. Na limpeza, ocorre a remoção física dos resíduos. Utilizam-se detergentes inodoros específicos para remoção do material orgânico e sujidades presentes nos equipamentos e utensílios, com o intuito principal de remover a gordura, o maior resíduo gerado em uma indústria de chocolate. Após a limpeza, é realizada a desinfecção. Esta é uma operação de redução, por meio de agentes químicos, do número de microorganismos a um nível que não comprometa a segurança do alimento. Normalmente, são utilizados sais à base de biguanida, quaternário de amônio e também ácido peracético. Para a aplicação desses agentes químicos, os operadores devem estar bem instruídos e protegidos com os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) necessários. É muito importante a utilização de produtos específicos para indústrias de alimentos, pois, além de ser necessária a verificação de sua eficácia e garantir que não restarão resíduos após sua aplicação, estes produtos químicos não podem exalar odores fortes que possam vir a contaminar o chocolate, que é um produto muito sensível à absorção de odores.

Tudo isso é tecnologia química desenvolvida pelos profissionais da área nas universidades, no dia-a-dia das indústrias e nos seus centros de pesquisas. No caso do chocolate, essa tecnologia não está só no processo descrito acima, mas também é fundamental para a fabricação de aditivos como a lecitina de soja, a obtenção da pasta e da manteiga de cacau e o cultivo do cacaueiro, que emprega fertilizantes e defensivos agrícolas. Isso sem contar o desenvolvimento das embalagens que tornam o produto, já tão atraente, ainda mais irresistível.


Fonte: A Engenheira de Alimentos Karina Chahade Fernandes (kacf@hotmail.com), Responsável Técnica pela Kopenhagen, forneceu informações para a produção deste texto, pelas quais a Comissão de Divulgação do CRQ-IV agradece.


Reação de Maillard

A cor, o aroma e o sabor de muitos alimentos depois de cozidos ou assados é resultado de uma reação química entre um carboidrato e um aminoácido (proteína) que ficou conhecida pelo nome do médico e químico francês que a descreveu em 1912, Louis-Camille Maillard. Após várias etapas dessa reação, formam-se compostos escuros chamados melanoidinas, que conferem cor à carne assada e ao doce de leite, por exemplo. Dependo do tipo de açúcar e proteína do alimento, o processo produz cores, sabores e aromas diferentes. Importante ressalvar, contudo, que essa reação é diferente do que ocorre nos processos de tostamento e caramelização.

Acredita-se que a Reação de Maillard seja também responsável pelo envelhecimento do corpo humano.

Serotonina

A serotonina é uma molécula sintetizada a partir de uma proteína chamada triptofano, que desempenha no corpo humano a função de neurotransmissor. Isso quer dizer que ela trabalha na comunicação entre as células nervosas (neurônios). Por isso, afeta nosso humor, sono e apetite. Além do sistema nervoso central, a serotonina está presente no trato intestinal e nas plaquetas sanguíneas. Quimicamente, recebe o nome 5-hidroxitriptamina e é representada pela fórmula molecular N2OC10H12.

Um olhar verde sobre a Química


Cada profissional tem uma maneira própria de olhar para um determinado tema. Ao “olharem” para a água, os químicos focalizam as suas propriedades como solvente e reagente; os biólogos, por sua vez, se interessam pela contaminação microbiológica, enquanto os geólogos estudam as bacias hidrográficas e os ambientalistas se preocupam com os níveis de poluentes nela presentes. Também os políticos têm sua forma de “olhar” para a água. Discute-se, atualmente, a viabilidade da transposição do Rio São Francisco, num projeto que exemplifica uma preocupação de todo governante, seja municipal ou estadual: garantir o abastecimento de água para toda a população.

Há aproximadamente dez anos, profissionais da Química que atuam na indústria, na pesquisa e também na área de ensino começaram a ter uma visão diferente sobre produtos e processos químicos, de modo a contemplar aspectos que levassem em conta a saúde humana e o meio ambiente. Na verdade, os profissionais da indústria química têm tido tal preocupação há muito mais tempo.
Essa nova maneira de olhar a Química foi denominada “Química Verde” e tem como base 12 princípios como, por exemplo, aqueles que propõem o emprego de processos químicos que requeiram condições brandas de operação (tais como temperaturas e pressões moderadas), com a finalidade de reduzir custos com energia e riscos de acidentes.
Tendo em vista o quadro de diminuição das reservas globais de petróleo, gás natural e carvão, bem como o efeito nocivo dos gases provenientes dessas fontes para o meio ambiente (efeito estufa e chuva ácida), a Química Verde propõe a busca por fontes renováveis, tanto para gerar energia quanto para servir de matéria-prima industrial. Neste último caso, basta lembrar que, hoje, a maioria de produtos, dos plásticos aos fármacos de uso comum, é obtida a partir de derivados do petróleo, uma fonte fóssil não renovável.

Outros aspectos importantes dessa nova visão para realizar processos químicos são: (1) a substituição de solventes tóxicos por outros, como o dióxido de carbono ou a água, em condições supercríticas; (2) o desenvolvimento de métodos analíticos sensíveis e seletivos para o monitoramento de substâncias nos processos de produção, nos organismos vivos e no meio ambiente; (3) os produtos oriundos dos processos devem ser projetados para apresentar alto desempenho e serem recicláveis ou de fácil degradação, a fim de minimizar problemas de descarte e acúmulo de lixo.

Um dos verbos mais usados atualmente, em qualquer atividade, é “economizar”. No caso de uma reação química, é possível introduzir modificações que visam a economizar energia e/ou átomos e aumentar o rendimento e a seletividade de um processo. Para ilustrar alguns desses aspectos no contexto da Química Verde, a síntese do ácido adípico é comentada a seguir. Mais de 2,2 milhões de toneladas dessa substância são produzidos anualmente no mundo devido à sua importância como reagente para a produção de poliuretanas (usadas na fabricação de adesivos, tintas e borrachas), lubrificantes, plastificantes e, principalmente, náilon-6, uma fibra sintética de grande importância no nosso dia-a-dia (usada em carpetes, automóveis, roupas e tapeçaria).


Analisando a síntese convencional do ácido adípico (esquema I), empregada atualmente em vários processos industriais, pode-se identificar os sérios problemas responsáveis pelo “impacto ambiental do náilon”: (1) o reagente ciclohexano é obtido através da hidrogenação (adição de hidrogênio) do benzeno, que é um derivado do petróleo altamente tóxico; (2) o agente oxidante, ácido nítrico concentrado, é corrosivo; (3) o processo envolve altas temperaturas, várias etapas de síntese, uso de diversos catalisadores (substâncias que aceleram uma reação química) e de substâncias tóxicas (como sais de crômio); (4) no final da reação, há emissão de gases poluentes, que causam destruição da camada de ozônio (N2O) e o efeito estufa (CO2 e N2O).

Uma rota alternativa para obtenção do ácido adípico (esquema II) foi proposta pelo grupo de Ryoji Noyori, da Universidade de Nagoya (Japão), em 1998, visando atender a alguns princípios da Química Verde. A síntese alternativa, um método direto e “limpo”, apresenta vantagens tais como: (1) menor gasto de energia com o uso de temperatura moderada; (2) redução do tempo total de reação – uma só etapa; (3) economia de átomos e maior rendimento; (4) uso de pequena quantidade de catalisador e de um agente oxidante menos agressivo; (5) geração de água (subproduto atóxico). Apesar do peróxido de hidrogênio (um líquido viscoso com densidade maior que a da água) ser um oxidante adequado aos princípios da Química Verde, uma vez que seu produto de reação é a água, seu preço no mercado ainda é alto, o que inviabiliza, no momento, a implantação do processo em escala industrial.



Os estudos envolvendo a síntese do ácido adípico não cessam. Há relatos de trabalhos tentando utilizar, como oxidantes, o oxigênio molecular ou o ar (reagente de baixo custo), catalisadores heterogêneos e fontes renováveis de matéria-prima (como o açúcar).

Os princípios da Química Verde pautam-se no bom senso, de modo que vários governos, empresas, pesquisadores e professores já estão mudando o foco e usando lentes verdes em suas atividades e projetos. Mas para que os objetivos sejam atingidos não bastam o conhecimento químico básico e o trabalho de profissionais competentes e criativos. É preciso que haja recursos financeiros para atividades de pesquisa científica e inovação tecnológica, além de incentivos governamentais para empresas, legislação e fiscalização adequadas, educação ambiental e outros requisitos. É possível que, em um futuro próximo, se possa usar uma jaqueta de náilon tecida com fibras oriundas do processo verde.

Os textos e sites sugeridos a seguir tratam mais detalhadamente da Química Verde e abordam casos interessantes de mudanças que vêm ocorrendo em indústrias e universidades que se propuseram a “esverdear” suas atividades:

1. M. Lancaster, “Green Chemistry: an introductory text”, Royal Society of Chemistry, 2002.
2. K. Sato, M. Aoki, R. Noyori, A “Green” Route to Adipic Acid: Direct Oxidation of Cyclohexenes with 30 Percent Hydrogen Peroxide, Science, 281 (1998) 1646.
3. Y. Deng, Z. Ma, K. Wang, J. Chen, Clean synthesis of adipic acid by direct oxidation of cyclohexene with H2O2 over peroxytungstate–organic complex catalysts, Green Chemistry, (1999) 275.
4. http://www.ufpel.tche.br/iqg/wwverde
5. http//www.acs.org

Vera R. Leopoldo Constantino e Denise de Oliveira Silva
Instituto de Química da USP

Nanotecnologia: o potencial das pequenas coisas

Nanotecnologia é uma ciência que permite ao homem lidar com átomos, moléculas e sistemas muito pequenos para criar novos processos industriais, produtos e materiais de alto desempenho. Todos os processos de produção e conversão de energia em nossas vidas envolvem passagem de elétrons: a respiração, a fotossíntese, a combustão em máquinas e motores e o funcionamento das baterias e das células fotovoltaicas. Hoje essa questão já chegou ao mundo nanométrico, onde a unidade básica é 1 nanômetro (1nm), que significa 1 bilionésimo de metro. Nano é um prefixo de origem grega e quer dizer “anão”.

Nesse mundo, só é possível ver e manipular átomos e moléculas por meio de equipamentos especiais e que são muito mais potentes que os microscópios, inclusive os eletrônicos. Tais equipamentos, que fazem a chamada varredura de sonda, possibilitam aos cientistas ver como se comporta uma única molécula e como um elétron passa através dela.

Antigamente, isto é, há menos de cinqüenta anos, a maioria dos instrumentos eletrônicos ainda funcionava com válvulas, parecidas com lâmpadas, geralmente barulhentas e cheias de problemas. A introdução do transistor ajudou muito, mas mesmo assim, nos anos 1970 os computadores ainda eram imensos: ocupavam salas inteiras e ninguém pensava em ter um em sua casa. Hoje, além de caberem na palma da mão, são muito mais possantes e confiáveis. Com a redução de tamanho e avanços na integração, um processador convencional, como o Pentium IV, já trabalha com 40 milhões de transistores.
E isso ainda continua evoluindo. Os processadores já começam a entrar na escala nanométrica e a previsão do físico Richard Feynman, feita em 1959, de que seria possível colocar todo o conteúdo da Enciclopédia Britânica no espaço de uma cabeça de alfinete já não é ficção. Pode parecer impressionante, mas alguém poderia dizer que mesmo com tanto progresso, um bit de informação ainda representa um desperdício de espaço ao utilizar nada menos que alguns bilhões de átomos! É verdade. No final de 2004, a IBM anunciou o Millipede, um dispositivo que utiliza milhares de sondas de microscopia para gravar e ler informações em escala nanométrica. Então, você consegue imaginar agora o que poderá acontecer quando a eletrônica passar a utilizar átomos e moléculas isoladamente? Dispositivos milhões de vezes menores? Como seria isso?

Não é preciso pensar muito para responder. De fato, esse dispositivo já existe e está dentro de você. É o seu cérebro que, sem dúvida, ainda é o melhor computador existente. Ele é capaz de executar 1.017 operações por segundo, superando em mil vezes o Blue Gene/L que a IBM acaba de anunciar como o computador mais possante já construído pelo homem. O cérebro é um computador "molhado", que trabalha com neurônios, células que recebem os impulsos químicos de moléculas de neurotransmissores, como a dopamina, convertendo-os em sinais elétricos. Estes se deslocam a longas distâncias pelos axônios até chegar à região da sinapse, onde disparam novamente os mecanismos de comunicação celular, liberando neurotransmissores para as células vizinhas.Além da nossa capacidade de trabalhar com moléculas, temos a vantagem de dispor do melhor software possível: a nossa consciência. Ele é o único capaz de comandar as ações do cérebro e de exercitar a própria inteligência através da aprendizagem e da auto-aprendizagem. E o mais incrível é saber que tudo isso é pura Química!

A pergunta a ser feita agora é: será que conseguiremos manipular átomos e moléculas ao ponto de construirmos máquinas mais evoluídas e sistemas auto-adaptáveis e inteligentes? Medicamentos programados para atingir um alvo ou para serem liberados de acordo com as necessidades? Sistemas químicos integrados em um chip para fazer diagnóstico clínico ou monitorar a qualidade de vida? Dispositivos de iluminação e jornais eletrônicos com a espessura de uma folha de papel? Janelas que dispensam limpeza ou adaptam suas tonalidades, ou que transformam a luz do sol em energia elétrica? Tecidos com capacidade de reconhecer e neutralizar agentes agressivos ou de suportar condições extremas de temperatura, impacto ou corrosão? Estes são apenas alguns exemplos de assuntos que já estão estimulando enormes investimentos financeiros para a nanotecnologia no mundo inteiro.

Trabalhar com moléculas é exatamente o que a Química faz. Observe, porém, que apenas uma pequena parte das reações químicas gera os resultados esperados. Por exemplo, quando colocamos os reagentes em um tubo de ensaio, estes passarão a reagir através dos incessantes eventos colisionais promovidos pela energia térmica. Apenas algumas das colisões serão produtivas e resultarão na espécie química desejada; a maioria será improdutiva, pois o processo é caótico. Não há muito que fazer para evitar isso, a não ser esperar o suficiente para que o produto se acumule e o rendimento aumente.

Então, o que aconteceria se colocássemos as moléculas biológicas envolvidas na fotossíntese, isto é, clorofilas, quinonas, citocromos, ferredoxinas, ATP sintase, entre outras, em um tubo de ensaio e irradiássemos com luz? Ocorreria a fotossíntese? De jeito algum! Na realidade, os processos biológicos só funcionam porque os componentes moleculares estão devidamente organizados no espaço e no tempo. As ações que se processam acabam transcendendo o plano da molécula. Esse é o conceito mais genuíno da Química Supramolecular: a química além da molécula. É justamente essa Química que torna possível a vida e que oferece a grande estratégia na Nanotecnologia Molecular.

Assim, para começar, é importante aprender essa nova linguagem. Na Química Supramolecular, um átomo equivale a uma letra, uma molécula constitui uma palavra e um conjunto de moléculas organizadas compõe uma sentença. Portanto, é preciso trabalhar a Química com essa nova linguagem, que paradoxalmente a natureza já conhece e pratica há muito tempo. Ao fazermos isso, estaremos perseguindo os limites da evolução dos materiais moleculares, tomando como referência a própria natureza.

Mas o que tudo isso quer dizer em termos químicos? Para que duas moléculas possam atuar cooperativamente, é necessário que elas interajam de forma associativa, com algum grau de reconhecimento mútuo capaz de conferir a necessária organização estrutural. Esse mecanismo é típico do reconhecimento molecular, e um bom exemplo é proporcionado pela interação entre as bases nucleicas, que pode ser vista na estrutura do DNA. Se modificarmos as moléculas com bases desse tipo, elas passarão a se associar espontaneamente através do reconhecimento molecular e isso poderá ser usado para promover a automontagem de novas estruturas supramoleculares voltadas para aplicações em nanotecnologia molecular.

Na realidade, existem várias outras maneiras de se trabalhar com moléculas para produzir estruturas organizadas. Sua exploração é um assunto estratégico atualmente. Uma das aplicações disso a maioria já conhece: são os cristais líquidos. Utilizando a propriedade de orientação das moléculas, é possível formar os pixels de imagem em sua tela de computador. Existe uma diversidade muito grande de dispositivos moleculares, como os sensores químicos e biológicos, dispositivos "orgânicos" emissores de luz (OLEDs), células fotovoltaicas e fotoeletroquímicas, células a combustível, painéis eletrocrômicos, memórias, chaveadores de sinal, portas lógicas, atuadores e componentes eletrônicos.

O desenvolvimento de sensores químicos e biológicos é outra das grandes possibilidades na nanotecnologia, principalmente pela enorme diversidade de opções e aplicações. Os sensores podem ser baseados em filmes moleculares que mudam suas propriedades ópticas quando expostos às radiações ou aos agentes químicos ou biológicos. Tais filmes ainda podem sinalizar o reconhecimento das espécies através de respostas elétricas ou eletroquímicas e têm sido usados no desenvolvimento de sensores de gases para prevenir incêndios ou alertar sobre vazamentos, bem como de dispositivos sensoriais como nariz e língua eletrônicos, e de analisadores de conservantes químicos em alimentos e bebidas.

Nanopartículas também podem ser alteradas quimicamente para reconhecer outras espécies, sinalizando tal ação através de mudanças de cor ou luminescência. Além disso, é possível incorporar propriedades magnéticas, gerando nanopartículas que podem ser atraídas por imãs para serem utilizadas para transportar drogas, liberar espécies ativas de oxigênio de forma localizada em terapia fotodinâmica ou promover a redução da temperatura (hipertermia) numa determinada região do corpo, mediante aplicação de campos elétricos alternados, visando à destruição de células cancerosas.

A redescoberta também faz parte da Nanotecnologia. Intuitivamente, o homem aprendeu que a adição de nanopartículas de carbono (negro de fumo) à borracha melhorava em muito suas propriedades mecânicas e o resultado disso foi o pneu. A insuperável tinta nanquim nada mais é que uma suspensão de nanopartículas de carbono em goma arábica. As nanopartículas já fazem parte do mundo dos plásticos, entrando na fabricação de produtos mais resistentes, com melhores propriedades isolantes e menor permeabilidade a gases.

Entretanto, não é só tecnologia. Também existe a Ciência e esse é o lado mais interessante do mundo nanométrico. Realmente, nessa dimensão o raciocínio em termos dos fenômenos clássicos não mais se aplica e os desafios científicos são imensos. Surgem novos fenômenos, principalmente associados à redução da dimensão dos materiais.

Um exemplo simples: veja o que acontece quando um feixe de luz incide sobre orifícios micrométricos em um filme de ouro. Normalmente passa pouca luz através dos orifícios. Se esses orifícios forem nanométricos deveria sair menos luz ainda, não é verdade? Mas não é isso o que acontece. Na realidade, a luz, ao interagir com a rugosidade atômica das bordas dos orifícios nanométricos, entra em ressonância com os elétrons de superfície, levando a um gigantesco efeito de amplificação. Assim, ela consegue sair mais intensa do que era. Mas para o que serve essa descoberta? São muitas as aplicações que poderão surgir: novas telas eletrônicas, dispositivos para amplificação da luz etc.

Mas o assunto mais desafiador na Nanotecnologia ainda continua sendo a própria vida. Hoje, as moléculas começam a ser exploradas como nanomáquinas e nanodispositivos, a exemplo das enzimas, do DNA e do complexo neuronal. Desvendando as nanomáquinas biológicas, poderemos reproduzir vários processos que sustentam a vida e dessa forma contribuir para a solução dos problemas e melhorar a qualidade do meio ambiente.

Estratégia

A Nanotecnologia se configura como assunto estratégico e de máxima prioridade nos países desenvolvidos e também em países em desenvolvimento acelerado, como a China e a Coréia do Sul. O investimento global situa-se na faixa de três bilhões de dólares/ano, só no nível governamental. Tal investimento vem sendo crescente, alimentado pela expectativa de que em dez anos a Nanotecnologia deverá movimentar mais de um trilhão de dólares na economia mundial.

No Brasil, os investimentos ainda são muito modestos, mas mesmo assim já foram feitos avanços importantes na estruturação de quatro redes nacionais em Nanotecnologia, além de várias sub-redes temáticas e três Institutos do Milênio, mobilizando mais de 300 pesquisadores e 600 pós-graduandos em todo o país.

Na opinião deste autor, os químicos e empresários brasileiros do setor ainda vêm tendo uma atuação bastante tímida nessa área. Muitos ainda não perceberam que a Nanotecnologia é um poderoso instrumento de capacitação, que além de promover a inovação tecnológica, também pode melhorar a qualidade dos produtos através da assimilação de recursos e procedimentos mais inteligentes, modernos e evoluídos.

Finalmente, é importante destacar que a Nanotecnologia ainda se apresenta como uma área de prospecção aberta e isso oferece uma grande oportunidade a ser aproveitada pelo Brasil. Nesse sentido, é imperativo que novos nichos tecnológicos sejam identificados e consolidados. Disso, o governo já está ciente; mas o setor empresarial não pode permanecer indiferente. Tem sido dito com freqüência que o país perdeu o bonde da microtecnologia. Será que também irá perder o bonde da Nanotecnologia?

Henrique Eisi Toma
Laboratório de Química Supramolecular
do Instituto de Química da USP